Mário Cravo Neto

Fotografia  de Mario Cravo Neto
 
  
São Paulo: Mario Cravo Neto (1947- 2009) é, sem dúvida, a expressão máxima da fotografia artística no Brasil, muito antes de que esse conceito ou essa discussão fossem tema de debates.
 
A fotografia como forma de expressão, como maneira de contar, de narrar, de se apropriar do mundo vislumbrado sempre fez parte desse artista, conhecido também por suas esculturas e pinturas. Não uma fotografia conceitual e mental, mas uma que traz à tona suas buscas, sua vontade de se expressar.
 
Seus trabalhos poderão ser vistos a partir de 27 de julho na Estação Pinacoteca, em São Paulo. Além de 45 fotografias em preto e branco, que são os ícones de sua produção, a curadoria de Diógenes Moura também traz uma projeção de 250 imagens coloridas feitas no final dos anos 1960, em NY, além de 30 imagens desse período e um “núcleo dos afetos” com cartas e fotografias da mesma época.
 
Uma exposição que começou a ser pensada pelo artista e pelo curador em 2006, com o vasculhar de arquivos. Um trabalho de garimpagem nas inúmeras imagens produzidas por ele. Um trabalho que foi interrompido em 9 de agosto de 2009 pela morte do artista. Seu filho, Christian Cravo, também fotógrafo, batalhou para que essa retrospectiva fosse realizada: “Era a vontade do meu pai e precisei lutar judicialmente para que ela pudesse acontecer”. Sorte nossa.
 
Mario Cravo Neto é filho da Bahia. Isso transparece em suas obras. Andou por diversas searas das artes plásticas ao cinema, mas foi como fotógrafo que inscreveu seu nome no cenário internacional e nacional. Avesso a definições, atribui à sua vida as referências e influências que aparecem nos seus registros.
 
Em entrevista à repórter, em 2009, para o livro Encontros com a Fotografia (Editora Tempo d’Imagem/Fnac), afirmou: “É óbvio que, sendo baiano e vivendo nesse ambiente, você não tem escapatória. Qualquer fotógrafo, qualquer artista plástico que venha morar na Bahia com ideias neoconcretas escorrega na casca de banana ou no azeite de dendê”.
 
É claro que o artista não defendia qualquer tipo de bairrismo e muito menos um folclorismo, mas a vida na Bahia é tão densa que o narrar desses aspectos e dessas vivências, de alguma forma, se torna inesgotável.
 
Nessa exposição, cujo título foi dado pelo próprio Mario Cravo Neto, Butterflies and Zebras, vamos encontrar algumas das primeiras imagens fotográficas realizadas por ele durante um ano que morou em Nova York – época de grandes transformações sociais e culturais, que Cravo Neto acompanhou saindo de uma Salvador ainda provinciana para cair numa cidade que já era o centro do mundo. Uma cidade que vivia os conflitos próprios daquele época, movimento hippie, feminismo, Guerra do Vietnã, direitos humanos, experiências das mais variadas. Artisticamente também era um momento fervilhante, a pop art, os shows de Jimmy Hendrix, do Pink Floyd. “Naquele momento, Nova York foi um excesso para ele”, relata Christian Cravo. “Um jovem de 23 anos que sai de um mundo despretensioso e sem concorrência para cair numa Nova York sem a menor delicadeza”.
 
A ida de Mario Cravo Neto para Nova York está envolvida numa linda história de amor com a dinamarquesa Eva Christensen. Curiosa e aventureira, nos anos 60, ela deixou a Europa para trabalhar na megalópole americana. Mas o mundo era pequeno para ela, que resolveu também conhecer a América Latina antes de retornar para sua terra natal. Sua intenção era conhecer o Brasil, Argentina e Venezuela. Sua passagem – como não poderia deixar de ser – era Nova York-Rio. De lá, seguiu para Salvador onde a antropóloga argentina Juanita Elbein dos Santos, esposa do famoso artista Mestre Didi, a recebeu e a apresentou ao escultor Mario Cravo Filho. Do resto a história se encarregaria.
 
Mario Cravo Filho, encantado com aquela dinamarquesa, sugeriu que ela deveria conhecer o interior da Bahia e viajar no dia seguinte com seu filho Mario Cravo Neto. Era época de São João, festa importante para o nordeste brasileiro. Cravo Neto e Eva embarcaram para Cachoeira, no Recôncavo Baiano. Durante a viagem, apaixonaram-se e Eva o convidou para morar em Nova York. Era 1969. Foi quando Mario Cravo Neto, pintor e escultor, também (embora já o fizesse no Brasil) se assumiu como fotógrafo. “Neste momento, existe uma transição estética na arte de Mario Cravo”, diz seu filho.
 
A transformação de vida foi grande. Cravo Neto mergulha num mundo novo, competitivo, agressivo e perigoso. A fotografia é uma forma de se inteirar nessa nova sociedade, de conhecê-la, de se sentir parte num lugar e cidade tão diferentes do que estava habituado. “Ele usou a câmera para conhecer a cidade”, afirma Diógenes Moura, curador da mostra. “Nota-se nas fotos que fazia na rua, no metrô, imagens quebradas, detalhes de mão, pés, rostos.” Uma forma de sobreviver na cidade que o fascinava, mas também assustava. A câmera fotográfica que o ajudava a passar despercebido também permitia que se apropriasse do lugar que tinha escolhido conhecer e morar. Fantásticas são as imagens que fez da janela de seu apartamento, uma mistura de mundo interno e externo. Um sujeito calmo, delicado e tranquilo que, de repente, era jogado numa vida nervosa de uma megalópole.
 
Ao mesmo tempo em que fotografava, Cravo Neto continuava fazendo esculturas e pinturas: “É possível descobrir, pelas cores, a saudade que tinha de Salvador”, afirma Christian. É a mesma tonalidade azul que o Diógenes Moura vê nas fotografias: “As cores que ele enfatiza nas fotos me lembram as da Bahia, especialmente do mar”.
 
Com a cabeça fervilhante, Mario Cravo Neto teve um esgotamento nervoso e, ao final de um ano em Nova York, volta para o Brasil onde continua a carreira. Cada vez mais ele deixa de lado a escultura, pintura e cinema e se embrenha na fotografia, que se tornou fundamental para entendermos a produção artística brasileira. “As imagens de Mario Cravo Neto feitas nos anos 1960, e mesmo depois, não têm data”, afirma o curador . “Elas vão do ontem ao muito além, cruzam a linha do tempo.”
 
fonte: www.estadao.com.br/noticias/impresso,mostra-de-mario-cravo-neto-vem-a-estacao-pinacoteca,1044698,0.htm
 

Bienal de São Paulo

 
São PauloA história das exposições de arte é um instrumento imprescindível para a compreensão da história da arte. A Bienal de São Paulo é um caso significativamente singular, pois foi a primeira bienal a surgir em um país periférico no hemisfério sul, no qual provocou, a partir de 1951, uma dinâmica local particular. A mostra 30 × Bienal – Transformações na arte brasileira da 1ª à 30ª edição procura verificar os nexos, contextos, relações e processos que os artistas e obras estabeleceram como momentos determinantes na história da Bienal, da arte brasileira e também internacional. De fato, sem a rotina ininterrupta da Bienal, seria muito improvável a formação da tradição moderna e contemporânea tal como ocorreu, de maneira única nas artes plásticas brasileiras em contato e confronto com as tendências estrangeiras – e que veio a construir a própria história da exposição.
  
 A Bienal foi sempre, a cada edição, uma mostra da atualidade da produção artística brasileira. Inevitáveis, portanto, as posições em confronto, as relações e as aproximações. Foi o evento que rompeu com o isolamento cultural das artes plásticas e expandiu sua projeção para além daquele círculo de iniciados. Portanto, por meio tanto das obras quanto dos artistas da exposição, assim como da coletânea crítica do catálogo, 30 × Bienal busca apresentar as transformações da arte brasileira que ocorreram nas trinta edições – desde a polêmica sobre a arte abstrata que dominou os anos 1950, passando pela nova figuração, pelo experimentalismo e pelo influxo da arte pop nos anos 1960, pela atmosfera conceitual nos anos 1970, pelo retorno à pintura nos anos 1980 e pelas chamadas práticas contemporâneas que se manifestam desde o final do século 20. É o “efeito” Bienal, portanto, visto em sua totalidade: um processo transformador.
 
fonte: www.30xbienal.org.br
 
Canal Arte 1 fala sobre a mostra 30 x Bienal  – TV UOL 
  

William Kentridge: Fortuna


Obra de William Kentridge
 
São Paulo: A Pinacoteca de São Paulo, instituição da Secretaria de Estado da Cultura, apresenta a exposição William Kentridge: fortuna, incluindo 38 desenhos, 35 filmes e animações, 184 gravuras, 31 esculturas e duas vídeo instalações, produzidas pelo renomado artista sul-africano entre 1989 e 2012, incluindo séries inéditas de trabalhos. Essa é a primeira grande exposição monográfica sobre Kentridge na América do Sul. A mostra, especialmente concebida para o Brasil, chega ao país graças à parceria entre o Instituto Moreira Salles, a Fundação Iberê Camargo – que já receberam a mostra.

A exposição, com curadoria de Lilian Tone, colocará em evidência o processo de criação pouco convencional do artista em seu estúdio, em Johannesburgo. A escolha das obras, portanto, ao contrário de privilegiar um viés temático, destaca a variedade e o vigor da atividade multifacetada do artista, mostrando como seu trabalho se dissemina por contaminação interna, em diferentes escalas e plataformas – desenhos, gravuras, ópera, esculturas, filmes, teatro e performance. Kentridge alcançou visibilidade internacional com a série de curtas-metragens Drawings for Projection (Desenhos para projeção). Iniciada em 1989 (o filme mais recente, Other Faces, foi finalizado no ano passado), a série constitui, segundo o artista, o alicerce de sua produção. Todos os dez filmes serão mostrados pela primeira vez em conjunto, acompanhados por 23 desenhos que o artista executou ao preparar os filmes, criando uma oportunidade única para examinar o diálogo entre desenho e filme e o processo de criação das obras. Os filmes têm uma aparência diferente das animações convencionais, devido a uma técnica caseira, inventada por Kentridge, que o artista descreve como “cinema da idade da pedra”. Kentridge filma, quadro por quadro, alterações que faz sobre um único desenho, realizado em carvão ou pastel. Apaga, adiciona, subtrai, acumula, redesenha. O método, marcado por sucessivas mudanças e redefinições, não só se manifesta na percepção da obra como se incorpora à imagem. Na sequência dos desenhos, marcas brutas tornam-se linhas elegantes, que se transformam, com fluidez, em outras imagens. “O processo de Kentridge é transmitido como uma ilusão plausível, em que motivos recorrentes do artista – uma constelação de elementos iconográficos – são construídos, desconstruídos e remontados diante de nossos olhos. Observamos um gato passando por transfigurações múltiplas: transformando-se em uma máscara de gás, um megafone, assumindo a forma de uma bomba”, escreve a curadora Lilian Tone.

Na obra de Kentridge, é constante a utilização de objetos cotidianos, muitas vezes itens que o artista tem à mão em seu estúdio: um pote de café, uma tesoura. Mais do que apenas o espaço de trabalho, dentro de sua obra o estúdio assume a função de palco, de mise-en-scène e de sujeito, sendo parte de vários trabalhos que estarão na exposição. “O estúdio é um personagem central na prática de Kentridge, um espaço de invenção onde o artista parece quase organicamente incorporado. É um lugar continuamente reanimado por manifestações, uma mistura de linguagens e alegorias que envolvem os diferentes gêneros de seu trabalho”, completa Lilian Tone. Para construir sua obra, Kentridge utiliza elementos reais, referências atuais de lugares, situações e eventos. O mais forte desses elementos é a memória social da África do Sul e seu histórico do Apartheid, mais especificamente na cidade de Johannesburgo – onde Kentridge nasceu, vive e trabalha.

A noção de “fortuna”, princípio guiador do processo artístico de Kentridge, e presente no título da exposição, traz o sentido de acaso, de destino, de devir. Segundo o próprio artista, “fortuna é um termo geral que utilizo para essa gama de agenciamentos, algo diverso da fria probabilidade estatística, no entanto fora do âmbito do controle racional”. Em outras palavras, é possível entender esse conceito como um acaso direcionado, uma engenharia da sorte, em que pré-determinação coexiste com possibilidade. Fortuna refere-se a uma condição do trabalho artístico em estado constante de construção; a um sentido de descoberta, menos do que invenção, à celebração da excentricidade, mas não em detrimento do engajamento político.

A obra A Recusa do Tempo no Octógono

Como parte de uma apresentação especial, a Pinacoteca inclui paralelamente a obra A Recusa do Tempo, concluída pelo artista no ano passado e ainda inédita no Brasil. Trata-se de uma grande instalação com 5 canais de vídeos incluindo um complexo panorama de som que ocupará toda a área do Octógono. A obra inclui 4 megafones de aço e o que o artista chama de ‘elefante’, uma máquina-objeto concebido pelo artista que parece respirar. A duração do ciclo é de 28 minutos. Aclamada pela critica na última Documenta de Kassel, para a qual foi comissionada, A Recusa do Tempo, foi mostrada no MAXXI em Roma e será apresentada no Metropolitan Museum of Art em Nova York depois de sua temporada em São Paulo.

A Recusa do Tempo surgiu a partir de uma série de conversas entre William Kentridge e o historiador de ciências Peter Galison sobre questões incluindo a história do controle do tempo universal, relatividade, buracos negros, e a teoria das cordas cósmicas, a que faz alusões poéticas. Segundo o artista, “uma série de idéias e metáforas surgiram das conversas com Peter Galison, com cada idéia precisando ser materializada. Sincronicidade usando metrônomos projetados. Tempo sendo expresso através de som. A necessidade de se desenvolver metáforas para tonar idéias visíveis ou audíveis”. O vídeo que consta da obra foi construído em colaboração com a editora Catherine Meyburgh, com cinco projeções que mostra uma sequência contínua de imagens que trafega ao redor da sala, por vezes sincronizando as imagens, e outras vezes apresentando-as de forma disjuntiva. O músico sul-africano Philip Miller (que vem colaborando com Kentridge desde o inicio de sua carreira) criou a música e a paisagem sonora para acompanhar a obra, em que camadas diferentes de sons podem ser ouvidos quando se move ao redor da sala, com som emitido tanto a partir de quatro grandes alto-falantes, e de quatro alto-falantes direcionais menores montado dentro de megafones de aço. Na Pinacoteca, os megafones serão montados em tripés distribuídos no espaço expositivo. A grande máquina que respira, ou ‘elefante’, projetada e construída por Jonas Lundquist e Sabine Theunissen, é o terceiro componente fundamental da instalação.

A obra resulta de uma série de workshops nos estúdios do artista em Johanesburgo, e também em Kassel, na Alemanha. O ‘elefante’ foi construído em Estocolmo, na Suécia. A peça teatral Recusa da Hora surgiu a partir da mesma trajetória de trabalho.

Sobre William Kentridge

Kentridge nasceu em 1955, em Johannesburgo. Estudou ciências políticas e estudos africanos na Universidade de Johannesburgo antes de entrar na Johannesburg Art Foundation e se voltar para as artes visuais. Durante esse período, dedicou-se intensamente ao teatro, concebendo e atuando em diversas montagens. Seu interesse pelo teatro e pela ópera perpassa toda sua trajetória e indica o caráter dramático e narrativo de sua produção artística, assim como o seu interesse em sintetizar o desenho, a escultura e o filme em uma única linguagem. Após ter influenciado artistas na África do Sul por mais de dez anos, Kentridge ganhou reconhecimento internacional em meados dos anos 1990. Desde então, seu trabalho tem sido incluído em exposições e performances em museus, galerias e teatros em todo o mundo, como a mostra Documenta, em Kassel, na Alemanha (1997, 2003, 2012), a Bienal de Veneza (1993, 1999, 2005), exposições individuais no MoMA, de Nova York (1998, 2010), no Museu Albertina, em Viena (2010), no Jeu de Paume, em Paris (2011), no Louvre, em Paris (2010), no Metropolitan Museum of Art, em Nova York (2005), e performances no Metropolitan Opera, em Nova York (2010), e no La Scala, em Milão (2011). Em 2011, Kentridge recebeu o prestigioso Kyoto Prize, em reconhecimento a suas contribuições no campo das artes visuais e da filosofia. No mesmo ano, foi escolhido como Membro Honorário da American Academy of Arts and Letters e recebeu o título de Doutor Honoris Causa da University of London. Em 2012, apresentou as Charles Eliot Norton Lectures, na Universidade de Harvard, em Cambridge; tornou-se membro da American Philosophical Society, da American Academy of Arts and Sciences; foi nomeado para o Dan David Prize, da Tel Aviv University; e recebeu o título de Commandeur dans l’Ordre des Arts et des Lettres do Ministério da Cultura e Comunicação da França.

De como não fui Ministro d’Estado

O vídeo e “flipbook” (livro de artista animado) De Como não Fui Ministro d’Estado, foi feito exclusivamente para a exposição brasileira. O artista faz uma intervenção, desenhando sobre as páginas de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis publicada pelo Clube do Livro, em São Paulo, em 1946. “É um livro que eu li há muitos anos, talvez 20 anos atrás, e me pareceu um grande exemplo de como é possível moldar a narrativa, tomar o absurdo e transformar em algo realista. Eu tinha uma edição de colecionador belíssima, dos anos 1920, mas ela não era boa para desenhar. Usei uma edição muito barata, de larga escala, com papel de má qualidade que no entanto foi belíssima para desenhar”, conta o artista.

Catálogo William Kentridge: fortuna

O Instituto Moreira Salles, a Fundação Iberê Camargo e a Pinacoteca do Estado de São Paulo lançam por ocasião da mostra o catálogo homônimo William Kentridge: fortuna. Além de publicar um portfólio com todos os trabalhos que fazem parte da exposição, o livro tem um texto inédito da curadora Lilian Tone; uma análise de Kate McCrickard, autora da publicação Modern Artists: William Kentridge (Londres: Tate Publishing, 2012); uma seleção de 10 textos escritos por Kentridge e uma cronologia selecionada.

fonte: www.pinacoteca.org.br/pinacoteca-pt/default.aspx?c=exposicoes&idexp=1198&mn=537&friendly=Exposicao-William-Kentridge-fortuna 
 
Matéria do Jornal da Gazeta sobre a mostra.
 
William Kentridge entrevista ele mesmo sobre sua vida como artista.